Ministro Salomão destaca papel histórico da jornada jurídica sobre crises ambientais

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A I Jornada Jurídica de ##Prevenção## e Gerenciamento de Crises Ambientais acontecerá em 25 e 26 de novembro, na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília, e reunirá juristas e membros do poder público para discutir os desafios ambientais do país. A coordenação-geral do evento está a cargo do ministro Luis Felipe Salomão, que é vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ/CJF), coordenador do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal e corregedor-geral da Justiça Federal.

Nesta entrevista, o ministro destaca o papel histórico da jornada na construção de um novo paradigma jurídico para o enfrentamento dos desafios ambientais no Brasil. Segundo Salomão, eventos climáticos extremos sem precedentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas registradas em setembro, evidenciam a urgência de uma resposta coordenada entre instituições públicas e privadas.

"Diante da complexidade que envolve as consequências de graves desastres ambientais, mais do que nunca se tornou necessário construir espaços de diálogo para desenvolver um tratamento jurídico adequado dos conflitos decorrentes dessas crises", afirmou o coordenador-geral do evento.

O ministro enfatizou que o diálogo colaborativo entre os setores público e privado e a sociedade civil é essencial para enfrentar complexidades de litígios ambientais e implementar políticas públicas efetivas: "Situações decorrentes de crises climáticas de grandes proporções necessitam, cada vez mais, de enfrentamento por meio de uma governança colaborativa, com o objetivo de iniciativas que garantam ações e execuções coordenadas, privilegiando-se os meios alternativos de solução de conflitos".

Leia a entrevista:

Como o senhor avalia a importância da I Jornada Jurídica de ##Prevenção## e Gerenciamento de Crises Ambientais, considerando o cenário sem precedentes que o Brasil enfrenta?

Luis Felipe Salomão – Este ano de 2024 foi desafiador, diversas crises sem precedentes assolaram nosso país, atingindo o meio ambiente de maneira impactante. São exemplos dessa afirmação as enchentes no Rio Grande do Sul no mês de maio, em decorrência de chuvas que afetaram mais de 90% dos municípios gaúchos, aliadas aos 80 mil focos de queimadas contabilizados em setembro, conforme levantamento realizado pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Diante da complexidade que envolve as consequências de graves desastres ambientais, mais do que nunca se tornou necessário construir espaços de diálogo para desenvolver um tratamento jurídico adequado dos conflitos decorrentes dessas crises.

Pode-se verificar, observando alguns desastres de grandes proporções que aconteceram nos últimos tempos no Brasil, que, passado o primeiro momento, as demandas ajuizadas em decorrência desses fenômenos climáticos alcançam proporções inéditas, surgindo uma massificação de ações por interesses contrapostos. Além de demandas individuais, são ajuizadas ações coletivas, devendo ser considerados os riscos de um tratamento fragmentado, aliado ao excessivo protagonismo dos atores do Sistema de Justiça. A complexidade não para por aí, pois o Judiciário é chamado para resolver temas diretamente relacionados ao interesse público atrelado a essa espécie de conflito, materializando a necessidade de verdadeira realização de políticas públicas.

Uma análise sistêmica de todos os desafios jurídicos decorrentes de crises climáticas a partir da perspectiva de diversos atores direta ou indiretamente envolvidos precisa ter início. Assim, é possível concluir que I Jornada Jurídica de ##Prevenção## e Gerenciamento de Crises Ambientais, que acontecerá nos dias 25 e 26 de novembro, no Conselho da Justiça Federal, é um marco histórico para a construção de novos paradigmas jurídicos. 

A jornada visa alinhar as práticas jurídicas às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. Quais são os principais obstáculos que o senhor acredita que ainda existem para a implementação eficaz de soluções colaborativas na ##prevenção## de litígios ambientais? De que forma essas soluções jurídicas podem ajudar a reduzir o impacto das crises ambientais?

Luis Felipe Salomão – Situações decorrentes de crises climáticas de grandes proporções necessitam, cada vez mais, de enfrentamentos por meio de uma governança colaborativa, com o objetivo de garantir ações e execuções coordenadas, privilegiando-se os meios alternativos de solução de conflitos. A atuação colaborativa é essencial, pois, muitas vezes, são atingidos massivamente diversos direitos fundamentais, surgindo a necessidade de novas engenharias institucionais nos modelos de reparação, por meio de uma lógica de responsabilidade compartilhada, considerando a escassez natural de recursos, sejam eles públicos ou privados. 

O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CIn) aprovou, em 5 de outubro deste ano, a Nota Técnica n. 50/2024, com base nas diversas experiências de crises climáticas de grandes proporções que aconteceram no Brasil nos últimos anos, destacando-se algumas dificuldades, como, por exemplo, nascimento de iniciativas que, se não estiverem coordenadas com outras em execução, poderão comprometer o adequado cumprimento de políticas públicas. É importante a postura de autocontenção e a prévia escuta dos possíveis implicados com a proposta, tendo em vista que a fragmentação excessiva da litigiosidade poderá conduzir a decisões contraditórias e soluções com impactos negativos sobre a execução das políticas públicas, criando-se ambiente de insegurança jurídica e de retroalimentação de conflitos, sendo recomendável o uso de estratégias de cooperação. Além disso, a intensa atividade de diversos meios de comunicação, poderosos instrumentos de disseminação de informações, podem contribuir, inadvertidamente, para a judicialização precipitada ou desnecessária de conflitos, sendo importante a adoção de cautela na comunicação com o público, privilegiando-se a orientação sobre eventuais caminhos para o acesso a direitos na via extrajudicial, quando existentes.

A partir desses apontamentos, é importante destacar a necessidade de diretrizes jurídicas e institucionais para o enfrentamento de conflitos e de demandas relacionados às crises ambientais de forma a assegurar princípios relacionados à segurança jurídica e isonomia, bem como à eficiência e eficácia do próprio sistema de justiça. 

Com a crescente conscientização sobre a necessidade de alinhar o Direito Ambiental às inovações doutrinárias e legislativas, que reflexões ou propostas a Jornada pode trazer para o desenvolvimento de jurisprudência ambiental que atenda às necessidades imediatas e de longo prazo para o país?

Luis Felipe Salomão – A jurisprudência ambiental é vasta e tem evoluído constantemente à luz do princípio do federalismo cooperativo ambiental. A Jornada é uma oportunidade para a elaboração de enunciados e diretrizes relacionados aos grandes desafios do Direito Ambiental na atualidade, que se relacionam à própria efetivação da legislação ambiental, combate à impunidade, tratamento estrutural de conflitos e adaptação às mudanças climáticas.

Poderão ser apresentados enunciados ou diretrizes até 30 de outubro. Os trabalhos estão divididos em três comissões com temas atrelados à responsabilidades civil, administrativa e criminal em desmatamento, queimadas e crises hídricas, além da gestão judicial de litígios e demandas estruturais no contexto de mudanças climáticas, oportunizando o desenvolvimento de propostas que construam conhecimento que gerem impacto positivo para toda a sociedade. É, portanto, um momento para análise do fortalecimento de órgãos ambientais, participação social, cooperação, entre outras questões necessárias à contemporaneidade.

No contexto da Jornada, quais mecanismos jurídicos o Senhor acredita que poderiam ser implementados para garantir que o gerenciamento de crises ambientais no Brasil seja mais eficiente e célere, especialmente em regiões mais vulneráveis e de difícil acesso?

Luis Felipe Salomão – O aprendizado institucional sobre atuação do Poder Judiciário nos casos de desastres ambientais vem-se formando gradativamente, sendo importante que o conhecimento acumulado seja registrado e compartilhado da forma mais ampla possível.

Quanto a mecanismos jurídicos que possam vir a ser implementados para garantir mais gerenciamento de crises ambientais, o Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal já mapeou algumas iniciativas de possíveis caminhos para a busca de cenários de segurança jurídica, como a cooperação interna com demais órgãos do sistema de justiça; a permanente interlocução com o Poder Público, especialmente na busca de alternativas para acesso extrajudicial às políticas públicas; a realização de ações com os demais tribunais locais, inclusive audiências conjuntas, evitando-se conflitos de competência, interlocução com o Ministério Público e a Defensoria Pública, para o tratamento coletivo de conflitos; a adoção do tratamento estrutural de conflitos, quando possível; a criação de assunto específico no sistema, para identificação e tratamento adequado de conflitos relacionados ao desastre climático, com desdobramento do assunto conforme as espécies de litígio; possível criação de Núcleo 4.0 ou modelo similar para o tratamento desses conflitos, com especialização de equipes, inclusive em 2º grau; o monitoramento do macroambiente que gera litigância; a possível suspensão de demandas individuais, nos termos dos Temas 60, 589 e 923 do Superior Tribunal de Justiça (STJ); a busca permanente de soluções consensuais e preventivas de demanda, com apoio dos Centros Locais de Inteligência; a utilização do sistema de precedentes para a uniformização de entendimentos, sempre que conveniente; a concepção de estratégias de atendimento facilitado aos jurisdicionado, com espaços específicos e cartilhas; e a divulgação, em espaço diferenciado, da jurisprudência relativa à judicialização proveniente do desastre climático.

De que maneira esta I Jornada Jurídica de ##Prevenção## e Gerenciamento de Crises Ambientais pode contribuir para o alcance dos objetivos da Agenda 2030, em especial o ODS 13, que enfatiza a necessidade de tomar medidas urgentes para combater mudanças climáticas e seus impactos? 

Luis Felipe Salomão – O Poder Judiciário tem um papel fundamental na implementação da Agenda 2030, e a I Jornada Jurídica de ##Prevenção## e Gerenciamento de Crises Ambientais relaciona-se diretamente a essa agenda, especialmente aos alvos do ODS 13 – "Ação contra a mudança global do clima que visa fortalecer a resiliência e a capacidade de adaptação às mudanças climáticas".

A Jornada oportuniza a produção de conhecimento que facilite a estruturação de colaboração entre tribunais locais e órgãos do sistema de justiça para tratamento das questões pertinentes aos impactos da crise, possibilitando a implementação de um protocolo de comunicação que garanta a precisão e a coerência das informações.

O espaço de diálogo humaniza as relações, permitindo um olhar sistêmico sobre os conflitos, sendo indispensável que profissionais do direito, professores e ambientalistas possam compartilhar conhecimentos e experiências para garantir um tratamento jurídico adequado aos fenômenos decorrentes de crises ambientais, assegurando, assim, a implementação do ODS 16 – "Paz, justiça e instituições eficazes". 

 

Mais informações podem ser obtidas na página do evento.

Com informações do CJF.

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