A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a impenhorabilidade dos bens de hospitais filantrópicos e Santas Casas de Misericórdia, estabelecida pela Lei 14.334/2022, não engloba os valores depositados em contas bancárias. Seguindo a jurisprudência da corte, o colegiado aplicou o entendimento de que as hipóteses de impenhorabilidade previstas em lei não podem ter interpretação extensiva.
A turma julgadora negou provimento ao recurso especial interposto por um hospital filantrópico de Florianópolis contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que autorizou o bloqueio – posteriormente convertido em penhora – de cerca de R$ 4 mil em suas contas, devido ao não pagamento de parcelas de um contrato firmado com empresa de tecnologia.
O hospital argumentou que a quantia deveria ser desbloqueada porque a Lei 14.334/2022 estabelece a impenhorabilidade de bens de hospitais filantrópicos e Santas Casas de Misericórdia mantidas por instituições beneficentes. Contudo, o TJSC entendeu que a lei não impede a penhora dos ativos financeiros das entidades filantrópicas, pois não há previsão expressa nesse sentido.
Ao STJ, o hospital alegou que os depósitos bancários estariam incluídos na proteção da lei, cujo objetivo é assegurar que o direito coletivo à saúde prevaleça sobre interesses particulares.
Interpretação extensiva da norma acabaria por prejudicar as instituições
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, destacou que o legislador, ao declarar impenhoráveis os imóveis, os equipamentos e o mobiliário dos hospitais filantrópicos e das santas casas, teve a clara intenção de assegurar a essas instituições os meios necessários para a continuidade do seu trabalho de assistência social e hospitalar. Segundo ele, isso justificaria interpretar a Lei 14.334/2022 de modo a estender a impenhorabilidade, por exemplo, para os veículos essenciais à atividade-fim, como caminhões e ambulâncias, pois, embora não mencionados expressamente na lei, eles podem ser abarcados na ideia de "equipamentos".
Quanto aos recursos financeiros depositados em contas bancárias, Cueva comentou que eles também são indispensáveis para o trabalho das instituições filantrópicas. No entanto, esclareceu o ministro, o texto legal não menciona dinheiro em conta, e a jurisprudência do STJ entende que as normas sobre impenhorabilidade devem ser interpretadas de forma restritiva, uma vez que constituem exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial.
O magistrado apontou ainda que uma interpretação extensiva da lei, estendendo a impenhorabilidade para todos os bens, acabaria por inviabilizar qualquer execução contra as entidades e prejudicaria suas chances de obter crédito no mercado – o que é indispensável diante do fato de que as doações e os repasses de verbas públicas são frequentemente insuficientes para cobrir todas as despesas, sendo a dificuldade financeira enfrentada por essas instituições, inclusive, uma das razões para a edição da Lei 14.334/2022.
"Em que pese o importante papel desempenhado pelos hospitais filantrópicos e pelas Santas Casas de Misericórdia, de inegável interesse público e social, não é possível estender a impenhorabilidade de que trata a Lei 14.334/2022 para os depósitos bancários, ficando sempre ressalvada a possibilidade de estes estarem inseridos em outras hipóteses legais de impenhorabilidade", concluiu.