Autor: Marco Aurélio Costa de Souza
Data de produção: 14/1/2025
Um escritório de advocacia sério, busca, além de suas atribuições e fins normais, formar e preparar novos profissionais para o mundo jurídico.
Profissionais estes, no entanto, que estão à procura de assimilar tudo aquilo que é visto nas aulas da faculdade, e que precisam da prática diária para tornarem-se pessoas com capacidade de exercer a profissão de maneira completa.
Pois é, estou falando da figura do Estagiário.
Com notória importância dentro das funcionalidades de um escritório, o estagiário de direito possui atribuições importantes – quase fundamentais – no auxílio do cotidiano forense.
Certa vez, enquanto ainda era estagiário, ouvi de um advogado que: “Um estagiário tem que aprender três coisas: aprender a falar com o cliente; aprender a redigir uma boa peça e aprender a ter jogo de cintura, sabendo “se virar” no Fórum”.
De fato, um bom profissional do direito tem que saber lidar com o cliente, tendo o feeling de como conduzir um atendimento, mostrando que o problema apresentado será analisado sob a ótica da tutela dos interesses e colocando-se à disposição para o que se fizer necessário.
Evidente, também, que um bom advogado deve ter uma redação excepcional.
Uma das artes do Direito é você traduzir um problema real em redação. É fazer com que um terceiro leia, entenda e se sinta convencido daquilo que você escreveu.
E, não menos importante, um bom profissional precisa saber como se portar no Fórum.
O estagiário precisa vivenciar o dia a dia do local físico onde a jurisdição é efetivada. Um Fórum não é apenas um prédio, não é apenas uma estrutura para se colocar processos, mas é onde o Direito acontece.
O estagiário não vai até o Fórum apenas para retirar um processo em carga (o que está cada vez mais difícil nos dias hoje), não vai apenas para tirar foto do último andamento do processo ou para fazer um protocolo. O estagiário vai até lá para aprender as normas e procedimentos enraizados nos corredores e andares onde a Justiça é aplicada.
O Fórum é a prática acontecendo diante dos olhos de quem vê. São as partes da jurisdição que se complementam para formar uma sinfonia. É clássico.
É, ainda, o local que o profissional precisa ir para resolver os problemas pendentes de seu processo. Costumo dizer que ir até o Fórum conversar com o escrevente, verificar o andamento processual, despachar uma petição com o(a) magistrado(a), lapida o profissional.
E exatamente no contraponto de tudo o que é possível se fazer no Fórum que a tecnologia avança sinais no Direito.
Frise-se que o presente artigo não questiona os benefícios da era digital no Direito, pelo contrário. Porém, temos que destacar que o comparecimento ao Fórum está cada vez mais escasso. Na era onde (quase) tudo é digitalizado, o profissional do direito diminuiu exponencialmente tal ato.
Óbvio que para um advogado formado, experiente, que já estava acostumado com o ambiente do Fórum, a tecnologia é um auxílio valioso. É muito mais cômodo resolver tudo através do conforto do escritório, pois você otimiza o trabalho, ganha tempo, consegue acompanhar melhor os prazos, mas… e para o estagiário?
Estudantes de Direito estão cada vez mais encontrando um Judiciário “diferente”. Os protocolos? Digitais. Vista aos autos? Dois cliques e o processo todo está na sua frente. Resolver uma situação no cartório? E-mail e telefonemas estão se sobrepondo às informações do balcão. Até onde isso é efetivo para alguém que está aprendendo?
O ponto é: ir até o Fórum é necessário, e mesmo que em quantidade menor, continuará sendo, e é exatamente nisso que a era digital pode prejudicar a formação do futuro advogado.
A lei nº 11.788/08, no artigo 1º, §1º e §2º, nos traz o que é o estágio e o que é necessário para preparar o estudante para usufruir de seu futuro profissional.
Especificamente no referido §2º, a lei é clara ao afirmar que “o estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional” e que o objetivo se traduz no desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Faço a seguinte reflexão: Será que o estagiário de direito, nas atribuições de suas funções dentro do escritório, está aprendendo todas as competências inerentes à atividade profissional? Será que está sendo devidamente preparado para o trabalho produtivo que exercerá, via de regra sozinho(a), após conclusão da faculdade? Será que a lei do estágio está sendo efetivamente seguida quando o assunto é o estagiário de direito?
Imaginamos a seguinte cena: O(a) recém-formado(a) advogado(a) distribuiu uma ação com pedido de tutela de urgência na modalidade antecipada, para que seu cliente tenha a autorização do plano de saúde para fazer uma cirurgia de urgência. Nesse caso, para acelerar o trâmite, o profissional deverá despachar sua petição com o(a) Juiz(a). Como fazer esse ato – que certamente não é nada fácil – sem a prévia experiência de ter acompanhado isso no dia a dia? Como o(a) advogado(a) se portará nas dependências do Fórum? Com quem falará primeiro? Como achará a sala? Como se portará na frente do(a) magistrado(a)?
Dessa maneira, fica a reflexão: O Direito está pronto para mudar costumes tão enraizados? Como a tecnologia poderá contribuir com a vivência e experiência do estagiário?
Temos, ainda, a figura do “balcão virtual”, instituído pela Resolução CNJ nº 372/21, que consiste, em poucas palavras, num atendimento remoto com um escrevente para falar sobre andamentos do processo.
Mais uma vez: para advogados experientes? Ótima iniciativa. Mas, e o estagiário? A experiência do balcão virtual – que, às vezes, não é das melhores – substitui a vivência do Fórum?
O que posso garantir é que o estágio é imprescindível para a formação de profissionais que contribuam com a manutenção, zelo e desenvolvimento da profissão.
Logo, a tecnologia deverá ser usada, mas com parcimônia, para que o Direito seja sempre o objeto principal, e que o Fórum seja o local de encontro para a efetividade da jurisdição, respeitando-se suas tradições.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .
Marco Aurélio Costa de Souza
Minibio: Advogado e líder da área processual civil em escritório de advocacia. Graduado em Direito pela FMU. Pós-graduado em Direito Processual Civil, pela Universidade Mackenzie e em Negociação e Gerenciamento de Conflitos pelo IBMEC.