Autor: Sandro Luís Delazari Júnior
Data de produção: 07/12/2024
O modelo de split payment é um dos pilares da reforma tributária, mas será que ele realmente pode ser implementado de forma segura?
O split payment, ou “pagamento dividido”, é um mecanismo proposto na reforma tributária brasileira que visa aprimorar a eficiência e a transparência na arrecadação de impostos sobre o consumo.
Nesse sistema, ao realizar uma transação comercial, o valor correspondente aos tributos é automaticamente separado e direcionado aos cofres públicos no momento do pagamento, enquanto o restante é destinado ao vendedor ou prestador de serviços.
A implementação do split payment está prevista no Projeto de Lei Complementar n.º 68/2024, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). De acordo com os artigos 50 e 51 desse projeto, a responsabilidade pelo repasse dos tributos recairá sobre os operadores de serviços de pagamento, como bancos e administradoras de cartões de crédito.
Esses operadores serão encarregados de transferir, no momento da liquidação financeira, os valores correspondentes aos tributos diretamente aos cofres públicos.
A principal motivação para a adoção do split payment é combater a sonegação fiscal e reduzir a inadimplência, assegurando que os impostos sejam efetivamente recolhidos no ato da transação.
A implementação do split payment no Brasil, embora tenha objetivos louváveis, como o combate à sonegação fiscal e a maior eficiência na arrecadação, apresenta um risco significativo de gerar impactos negativos desproporcionais, especialmente para pequenas e médias empresas.
Um estudo realizado pela Deloitte, a pedido do VAT Committee da União Europeia, investigou os impactos da adoção do sistema de Split Payment como alternativa de arrecadação tributária. A análise examinou modelos já implementados, sua eficiência e os custos associados à sua aplicação, além de projetar diferentes cenários comparativos para avaliar o mecanismo.
Os resultados do estudo ressaltam a necessidade de uma avaliação mais aprofundada sobre o tema. Não foram identificadas evidências claras de que os benefícios do Split Payment sejam superiores aos seus custos, levando à classificação do sistema como uma “medida de aplicação específica e alcance limitado”. Embora o mecanismo atenda às metas fiscais de reduzir a evasão tributária, os custos associados — como o aumento da complexidade administrativa, maior carga operacional e impactos negativos no fluxo de caixa das empresas — superaram as vantagens inicialmente esperadas.
Entre as recomendações de melhorias sugeridas pela Deloitte, destaca-se a necessidade de implementar processos mais rápidos e eficientes para a devolução de impostos, como o IVA. No contexto brasileiro, essa preocupação é particularmente relevante, dado o impacto que um sistema como o Split Payment poderia ter na prática, especialmente em uma economia que já enfrenta desafios significativos na simplificação de seu modelo tributário. [1]
Esse modelo, ao transferir automaticamente os valores correspondentes aos tributos para os cofres públicos, pode agravar problemas de fluxo de caixa para os empresários, que já enfrentam altos custos operacionais e uma carga tributária complexa.
Além disso, a dependência de uma infraestrutura tecnológica robusta e confiável no Brasil é uma grande preocupação. Historicamente, projetos que envolvem grande inovação tecnológica no setor público enfrentam atrasos, falhas operacionais e falta de integração entre sistemas.
Caso ocorra uma implementação apressada ou mal planejada, o split payment pode se transformar em um pesadelo logístico tanto para o governo quanto para as empresas.
Outro ponto crítico é que o mecanismo transfere a responsabilidade da retenção e repasse de tributos para intermediários financeiros, como bancos e operadores de cartões, aumentando o custo das transações e a burocracia para esses players, que podem repassar esses custos ao consumidor final.
O impacto será sentido na economia como um todo, potencialmente gerando mais inflação e menor competitividade para as empresas nacionais.
Por fim, há o risco de que o split payment torne o sistema tributário ainda mais opaco, dificultando a gestão financeira das empresas e tornando-as dependentes de ferramentas externas para monitorar o que foi pago ou devido.
Em vez de simplificar o processo tributário, o modelo pode acabar adicionando mais camadas de complexidade e ineficiência ao já problemático cenário fiscal brasileiro.
[1] UNION., European Commission. Directorate General For Taxation And Customs; DELOITTE.. Analysis of the impact of the split payment mechanism as an alternative VAT collection method: final report.. European Comission, [S.L.], v. 0, n. 0, p. 1-370, dez. 2017. Publications Office. http://dx.doi.org/10.2778/649636, disponível em: https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/b87224ad-fcce-11e7-b8f5-01aa75ed71a1/language-en
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .
Sandro Luís Delazari Júnior
Minibio: Advogado e sócio do Delazari, Berni, Iatarola, Hackel & Manzatto Advogados e diretor da área Tributária. Possi MBA em Gestão Tributária pela USP, Pós-Graduado em Direito Tributátio pela PUC/RS, Especialista em Processo Civil pela FGV e Compliance pela FACAMP.