Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

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Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação – em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o diálogo entre as partes.

O artigo 334 do CPC/2015 tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma delas não compareceu.

Em situações assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo.

Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata

Em 2020, no julgamento do RMS 63.202, a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação, que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do artigo 334 do CPC.

Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes em resolver a questão consensualmente.

Devido às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrar mandado de segurança alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.

Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19 de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse ##repetitivo##, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.

Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no ##repetitivo##, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.

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O STJ, ao julgar controvérsias que versam sobre impedimentos de juízes e desembargadores, tem adotado postura tendente a primar pela aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, bem como pela necessidade de demonstração do prejuízo advindo da participação de magistrados parentes no julgamento do mesmo processo.

##RMS## 63.202

Ministra Nancy Andrighi

Não cabe agravo de instrumento contra multa por falta à audiência

No julgamento do REsp 1.762.957, a Terceira Turma decidiu que não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação.

Conforme o processo, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil recorreu ao STJ após o TJMG não conhecer do seu agravo de instrumento contra a multa que lhe foi imposta por ter faltado à audiência de conciliação.

A entidade previdenciária sustentou que a decisão do tribunal mineiro violou o inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015, o qual prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que versa sobre o mérito do processo.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), esclareceu que a reforma trazida pelo CPC de 2015 em relação ao agravo de instrumento visou aumentar a fluidez e a celeridade dos processos. Segundo o magistrado, ao mencionar o "mérito" no inciso II do artigo 1.015, o legislador se referiu às questões de fundo, diretamente relacionadas ao pedido das partes, que normalmente seriam analisadas na sentença, mas que, em alguns casos, são resolvidas de forma antecipada por decisões interlocutórias, caracterizando as chamadas sentenças parciais ou julgamentos antecipados parciais de mérito.

Dessa forma – concluiu o ministro –, a decisão que impõe a multa do artigo 334, parágrafo 8º, do CPC não se enquadra no inciso II do artigo 1.015. Ele explicou que, se fosse esse o entendimento, a intenção do legislador de garantir a celeridade processual seria comprometida, pois a questão, em vez de ser resolvida rapidamente, seria automaticamente devolvida para revisão em apelação, o que contrariaria o objetivo de agilidade do novo regime processual.

Nulidade por ausência da audiência de conciliação exige demonstração de prejuízo

Enquanto não julga o Tema 1.271, o STJ segue com entendimento não unificado sobre a possibilidade de anulação do processo nos casos em que apenas uma das partes expressa seu desinteresse e o juízo não marca a audiência de conciliação.

No AREsp 1.968.508, de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Tuma definiu que a falta de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra o prejuízo.

Ao ingressar com uma ação de despejo e cobrança, a autora indicou seu desinteresse pela conciliação ou mediação. Após a ação ser julgada procedente, a locatária apelou, alegando, entre outros pontos, nulidade da sentença pela ausência da audiência de conciliação. Contudo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) confirmou a decisão inicial, por julgar que a falta da audiência não invalidava o processo, especialmente quando a parte autora expressou a impossibilidade de acordo e a parte contrária não comprovou ter sofrido prejuízo.

O ministro Raul Araújo afirmou que o posicionamento do TJPE estava de acordo com a jurisprudência do STJ, no sentido de que o reconhecimento de vício que implique a anulação de ato processual exige a demonstração do prejuízo, mesmo em se tratando de nulidade absoluta.

Desinteresse do INSS na conciliação não afasta multa por faltar à audiência

No julgamento do REsp 1.769.949, a Primeira Turma manteve a aplicação, contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º, do CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na realização da audiência de conciliação, porém a autarquia – após manifestar seu desinteresse – não compareceu.

Nesse processo, depois de conceder tutela de urgência ao autor, o juízo marcou a audiência de conciliação entre ele o INSS. Ao ser intimada, a autarquia declarou seu desinteresse em participar da audiência, enquanto o autor expressou seu interesse. Devido ao não comparecimento do representante do INSS, o juízo aplicou a multa de 2% do valor da causa, prevista no CPC. A autarquia, então, recorreu ao STJ sustentando que a multa não poderia ter sido aplicada, uma vez que a sua ausência foi devidamente justificada.

O relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), afirmou que a audiência de conciliação era optativa sob o CPC/1973, mas, com a reforma do código, o Estado passou a ter o dever de promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 139, inciso V, do CPC/2015).

Para o magistrado, apesar de o INSS ter manifestado seu desinteresse na conciliação, a parte autora se mostrou interessada, o que tornava obrigatória a realização da audiência, com a indispensável presença das partes.

"Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, é inevitável a aplicação da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça", declarou.

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O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova lei processual civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (artigo 125, inciso IV, do CPC/1973), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.


##REsp## 1.769.949

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Audiência antes da apreensão do bem em ##alienação fiduciária## não é obrigatória

No procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei 911/1969, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no artigo 334 do CPC/2015, não resultando sua ausência em nulidade.

A Terceira Turma firmou esse entendimento ao negar provimento ao REsp 2.167.264. Na origem, uma administradora de consórcio ajuizou ação de busca e apreensão devido ao não pagamento de parcelas do financiamento de uma moto com garantia de alienação fiduciária. Na contestação, o devedor reconheceu a dívida e solicitou ao juiz o reconhecimento de uma renegociação, pedindo permissão para realizar depósitos. Após decisões favoráveis à administradora nas instâncias ordinárias, o devedor recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 334 do CPC/2015.

De acordo com o recorrente, a audiência de conciliação deveria ter sido realizada, já que não houve manifestação expressa das partes dispensando-a. Ele disse ter demonstrado interesse em uma solução amigável, propondo um acordo na fase de contestação, e sustentou que a falta da audiência de conciliação configurou um erro processual que tornaria a sentença nula e exigiria a reforma do acórdão de segundo grau.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a obrigatoriedade da audiência de conciliação prévia está prevista no artigo 334 do CPC/2015, podendo ser dispensada em duas situações: quando ambas as partes manifestam desinteresse de forma expressa ou quando a natureza do processo impede a autocomposição.

Segundo a ministra, o direito da parte interessada na realização da conciliação ou da mediação pode, inclusive, gerar nulidade do processo, caso não haja designação da audiência pelo juiz. Contudo, ela enfatizou que o réu deveria ter suscitado o vício na primeira oportunidade de manifestação no processo, o que não ocorreu. Além disso, Nancy Andrighi ponderou que, apesar de o CPC estabelecer, como regra geral, que o juiz deve incentivar a solução consensual dos conflitos, o artigo 334 é específico do procedimento comum, e não se aplica aos procedimentos especiais, salvo previsão legal.

Assim, a ministra concluiu que, em procedimentos especiais, como a ação de busca e apreensão, a realização da audiência de conciliação é facultativa e depende da discricionariedade do juiz. "Considerando que o DL 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC, não há espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum", afirmou.

Presença de advogado com poderes para transigir afasta aplicação da multa

Em 2021, no julgamento do RMS 56.422, a Quarta Turma decidiu que não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

Com essa decisão, o colegiado deu provimento ao ##recurso em mandado de segurança## de uma empresa que foi multada em R$ 29 mil por ato atentatório à dignidade da Justiça, devido ao não comparecimento à audiência de conciliação. A empresa impetrou o mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), sustentando que era seu direito se fazer representar por advogado na audiência de conciliação, conforme diz o CPC/2015. Contudo, o TJMS indeferiu a petição inicial do mandado de segurança por esgotamento do prazo para a impetração.

Após entender que o mandado de segurança era tempestivo, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, observou que o parágrafo 10 do artigo 334 do CPC permite à parte ser representada mediante procuração com poderes específicos para negociar e transigir. "Desse modo, ficando demonstrado que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça", disse.

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