Seguro de vida negado – Reflexões sobre a recusa ao pagamento do seguro de vida por omissão de doenças preexistentes

  • Categoria do post:AASP

Autor: Sandro Raymundo

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Data de Produção: 20/08/2024

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A recusa ao pagamento de uma indenização de seguro de vida, seja no seguro de vida tradicional, seja no seguro de vida para garantia de pagamento de financiamento imobiliário, como é o caso do seguro habitacional, também chamado de seguro prestamista, traz enormes dissabores aos familiares do segurado falecido.

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Tamanha a importância do seguro de vida, que a recusa indevida ao pagamento da indenização pode significar a perda do imóvel da família, por ausência do pagamento das parcelas do financiamento, anteriormente a cargo do segurado, cuja morte fez ceifar a fonte de renda necessária para o adimplemento.

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Uma negativa ao pagamento do seguro de vida pode, também, deixar um filho sem estudo, uma viúva ou viúvo desamparado.

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Não obstante tamanha relevância desse contrato, não são raras as vezes em que os beneficiários do segurado se deparam com a recusa ao pagamento do seguro de vida, sob a alegação de que o segurado teria omitido informações acerca de doenças preexistentes, quando da contratação do seguro.

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Nas cartas de recusa, informam as seguradoras, que quando do preenchimento da chamada declaração pessoal de saúde, o segurado teria omitido doenças preexistentes, o que acarretaria a perda do direito à indenização.

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Daí é que importa perquirir: A Seguradora pode negar o pagamento do seguro de vida em razão de doenças preexistentes?

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Adianto, desde logo, a resposta: A seguradora somente pode negar o pagamento da indenização do seguro por omissão de doenças preexistentes se comprovar que o segurado agiu de má-fé, ou seja, se comprovar que o segurado, questionado, de forma clara e objetiva, sobre o seu estado de saúde, respondeu de forma mentirosa.

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Ou seja, se o segurado agiu de boa-fé, eventual erro nas informações prestadas à seguradora sobre doenças preexistentes não pode ser argumento para a seguradora recusar o pagamento do seguro de vida. Mister se faz a prova da má-fé.

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Neste sentido está a Súmula 609 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

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Súmula 609 do STJ – “A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.”

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Da mesma forma, também não pode ser negado o seguro de vida, se a omissão de doença preexistente apontada pela seguradora, não havia sido perguntada.

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Em outras palavras, se a seguradora, por exemplo, não perguntou se o segurado faz uso de algum medicamento, não caberia a ele informar.

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É o que chamamos de “formulário fechado”. Se a seguradora não perguntou, não há obrigação do segurado adivinhar o que ela queria saber e, portanto, não está obrigado a informar.

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Rui Rosado de Aguiar Júnior[1], leciona que “o segurador é o contratante que conhece o risco e as suas circunstâncias e, com esse conhecimento, elabora o questionário; o que deixou de lado nesse momento, faz presumir, em princípio, que o futuro incidente não será considerado relevante”.

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No mesmo sentido, Luiza Moreira Peterson[2] destaca que “em se tratando de relação de consumo, diante da vulnerabilidade do consumidor em contraprestação à expertise do segurador, especialmente na avaliação do risco e da prática de contratação em massa, com a consequente padronização dos riscos cobertos, o regime adotado é o do questionário”

E, conclui, reportando-se a Bruno Miragem: “não tendo perguntado na fase pré-contratual sobre os fatos que auxiliam na determinação do risco, não poderá imputar má-fé ao contratante”.

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Antônio Menezes Cordeiro[3] destaca a evolução do direito alemão, o qual expressamente, inverteu o seu sistema antigo e passou a prever, desde 2008, que o tomador deve informar as circunstâncias relevantes que conheça e que lhe sejam perguntadas, num questionário, pelo segurador.

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Além disso, o segurado não pode ser prejudicado por uma resposta errada a uma pergunta mal formulada por parte da seguradora. O questionário de saúde deve ser claro e objetivo, permitindo assim a correta compreensão por parte do segurado.

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Adilson José Campoy[4] ensina que “o segurador deve ser rigoroso na confecção do questionário que submeterá ao proponente. Suas indagações devem ser objetivas, claras, consentâneas com o tipo de seguro a ser contratado, e, se assim não for, não poderá opor eventuais informações incompletas ou imprecisas do segurado a este ou aos seus beneficiários, a menos que provada a má-fé daquele.”

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Um exemplo de má redação do questionário é o texto abaixo, encontrado em algumas propostas de seguros prestamistas: “Declaro desconhecer que possuo qualquer doença ou situação incapacitante que prejudique a contratação do seguro de morte ou invalidez”

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Veja-se que a declaração não se refere a qualquer doença, mas tão somente a doença que “prejudique a contratação do seguro”. Mas é o segurado quem deverá saber quais doenças “prejudicam” a contratação? Além disso, o termo “prejudique” está totalmente inadequado e não traz ao segurado a informação adequada.

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Ao decidir litígio envolvendo declaração de saúde com o teor acima transcrito, o Tribunal de Justiça de São Paulo[5], bem elucidou a questão:

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“Verifique-se, a propósito, a lacônica previsão contratual que questionava o consumidor sobre a ocorrência de enfermidade preexistente (fls. 42):

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“7) Declaro(amos) desconhecer que possuo(imos) qualquer doença ou situação incapacitante que prejudique a contratação do seguro de morte invalidez permanente”

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O direito à informação, nos termos do art. 6º, III do CDC, impõe ao fornecedor o dever de esclarecer de forma exata e precisa todos os termos do contrato, com a finalidade de permitir ao consumidor que usufrua de forma adequada das faculdades que lhe são permitidas pela avença.

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A cláusula acima transcrita, da forma como redigida, impõe ao aderente não apenas o conhecimento a respeito de alguma doença própria; mas também que conheça a espécie de doença que “prejudique a contratação do seguro de morte”, o que não fora esclarecido a contento, fazendo-se confirmar a eiva da previsão contratual.

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De fato, não se preocupou a apelante em confeccionar questionário preciso com as espécies de doenças que inviabilizariam a contratação do seguro, o que coloca o consumidor em situação de desvantagem exagerada em decorrência da abstração evidente do preceito clausular”.

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Aliás, a Lei de Seguros Portuguesa (Artigo 24.º/3 do Decreto-Lei 72/2008), expressamente, proíbe a seguradora, salvo comprovada má-fé do tomador, de utilizar em desfavor do tomador: a) de omissões a perguntas do questionário; b) de resposta imprecisa a questões demasiadamente genéricas; c) de incoerência ou contradição evidente nas respostas do questionário; d) de declaração que sabia ser inexata e não apontou oportunamente.

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Portanto, para analisar se eventual omissão de declaração de doença preexistente pode ou não acarretar a recusa ao pagamento da indenização de seguro de vida é necessário verificar a boa-fé do segurado, bem como se houve pergunta expressa e clara sobre a doença preexistente que a seguradora alega ter sido omitida.

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[1] Rosado de Aguiar Jr, Rui – Agravamento de risco conceitos e limites, capítulo na obra Fórum de Direito José Sollero Filho – IBDS – Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, 2018, São Paulo, Editora Roncarati

[2] Petersen, Luiza Moreira – O Risco no Contrato de Seguro – São Paulo – Editota Roncarati, 2018, pág 135

[3] Cordeiro, Antônio Menezes – Direito dos Seguros – 2ª Edição – Ediçoes Almedina, Coimbra, Portugal, 2016 – pág 633;

[4] Campoy, Adilson José – Contrato de seguro de vida – Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2014 ,pág 35

[5] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 1000100-80.2016.8.26.0032, 31ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rela. Desa. Rosângela Telles, julgado em 22/09/2017

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Sandro Raymundo

Minibio: Especialista em Direito Securitário e Ressecuritário pela FGV/SP, graduado em Direito pela PUC/SP, advogado com mais de 25 anos de experiência em seguros, Associado e Membro do GNT – Grupo Nacional de Trabalho de Seguro de Pessoas da AIDA – Association Internationale de Droit des Assurances – Seção Brasileira, Vice-Presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB/SP – Subseção Jabaquara/Saúde, Membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP, Membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS, Membro da Comissão de Direito do Seguro e Resseguro da OAB/SP, Professor Convidado em cursos de formação e especialização em Direito do Seguro, fundador do Canal Segurado Seguro, no YouTube, co-organizador e coautor do livro “Antologia do Direito do Seguro”.

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