STJ dá início a simpósio para discutir equidade racial no direito comparado

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Os versos do cantor e compositor Chico César marcaram a abertura do I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul, realizada nesta quarta-feira (4), no auditório externo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Respeitem meus cabelos, brancos/ Chegou a hora de falar/ Vamos ser francos", anunciou o artista em uma das canções apresentadas.

Em sintonia com o convidado especial, que traz em seu repertório o combate ao racismo e às injustiças sociais, autoridades dos três países se reuniram para debater questões raciais sob a perspectiva do direito comparado. A iniciativa busca disseminar estratégias para promover a equidade racial no Judiciário, identificar avanços e desafios nos países participantes e refletir sobre as políticas judiciárias a partir do Pacto Nacional pela Equidade Racial no Brasil.

O simpósio foi organizado pelo STJ em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o Conselho da Justiça Federal (CJF), e conta com apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Racismo ambiental e algorítmico são novas formas de discriminação

Na mesa de boas-vindas do simpósio, o presidente do tribunal, ministro Herman Benjamin, enumerou dados sobre o racismo no Brasil e lembrou que ele se manifesta em diversas modalidades, com destaque para duas mais recentes: o racismo algorítmico – quando a discriminação é perpetrada por ferramentas de inteligência artificial – e o racismo ambiental – quando os desastres ambientais atingem principalmente a população negra.

"Por não ser negro, não tenho como sequer imaginar o quanto o racismo dói, exaure a existência e deixa feridas no corpo e na alma, que não chegam a cicatrizar, pois as violências são repetidas diariamente. Nós, juízes, temos o dever de ajudar as vítimas desse sacrifício permanente", declarou Herman Benjamin.

Em seguida, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, falou sobre sua trajetória como mulher negra nascida na favela, que conseguiu estudar e se desenvolver profissionalmente. "Quando eu adentro espaços como esse aqui e vejo pessoas que se parecem comigo, chegando também a lugares inimagináveis, mulheres com suas tranças e turbantes e que têm seu jeito de ser e de falar, isso também é nossa resistência e me dá força para seguir", refletiu.

Iniciativas institucionais de combate ao racismo cada vez mais presentes

Secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, a embaixadora Maria Laura da Rocha apresentou iniciativas desenvolvidas pela pasta na busca da igualdade racial, como o lançamento de um plano de ações afirmativas que foi apresentado na manhã desta quarta-feira. Ela citou ainda exemplos de cooperação internacional do Brasil com os Estados Unidos e a África do Sul no combate ao racismo.

O ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ, listou uma série de normativos implementados nas últimas décadas para combater o racismo estrutural.

No âmbito do Poder Judiciário, ele destacou a recente Resolução 598/2024 do CNJ, que estabelece as diretrizes para adoção de perspectiva racial nos julgamentos em todo o Brasil, e os 50 enunciados aprovados na 1ª Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial do CJF, também na manhã desta quarta. "Eles vão servir de guia para a uniformização da jurisprudência e para a elaboração de políticas públicas. Hoje foi um dia muito produtivo", afirmou o ministro.

Mandela e Esperança Garcia são homenageados na abertura

O ministro do STJ Benedito Gonçalves, que presidiu a comissão de juristas criada pela Câmara dos Deputados para propor mudanças na legislação de combate ao racismo, fez um discurso inspirado em citações de Nelson Mandela. 

"Ele dizia que suas escolhas devem refletir suas esperanças, e não seus medos. Em contextos de desigualdade e discriminação, o medo de mudanças pode paralisar indivíduos e instituições. Esse medo pode manifestar-se na resistência a políticas transformadoras, no receio de enfrentar privilégios, ou na hesitação em romper com sistemas injustos", declarou.

Finalizando a primeira parte do simpósio, Silvana Niemczewski, conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná, prestou homenagem a Esperança Garcia, reconhecida como a primeira advogada do Brasil. "Mulher negra, escravizada, que lutou contra os maus-tratos sofridos, ela simboliza o movimento antirracista. Sua coragem é uma inspiração", exaltou.

Diferentes abordagens da evolução do racismo

O primeiro painel do evento, presidido pelo ministro Benedito Gonçalves, começou com uma abordagem das mudanças pelas quais a Igreja Católica passou até abraçar o combate ao racismo e à discriminação.

O cardeal Peter Turkson, chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, do Vaticano, falou da postura eurocêntrica da Igreja durante os séculos XVI e XVII e sobre como isso mudou após a Revolução Industrial, quando foi criado na instituição um movimento social que buscava promover a dignidade humana e o bem comum das pessoas.

Peter Turkson destacou os atuais princípios sociais da Igreja, reconhecendo-a como universal e aberta a toda a humanidade. "A Bíblia coloca que todos vêm de uma fonte única, então a dignidade de todos é a mesma", completou.

Ações afirmativas ajudam no combate à desigualdade racial

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STJ), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou a relevância do tema da igualdade para a democracia. Conforme apontou, a igualdade implica respeitar as pessoas nas suas diferenças e, ao mesmo tempo, impedir que as pessoas, em razão das diferenças, sejam inferiorizadas.

Ao falar sobre o racismo estrutural, Barroso comentou que uma parcela da sociedade, "ainda que não tenha tido ela própria uma atitude discriminatória", foi a beneficiária da estrutura que marginalizava um grupo e privilegiava outro.

O magistrado apontou a importância das ações afirmativas, como a política de cotas, dizendo que o sucesso de pessoas negras deve inspirar os jovens a acreditarem que eles também podem ser bem-sucedidos.

Histórias racializadas são pouco contadas

Ynaê Lopes dos Santos, professora de história da América na Universidade Federal Fluminense, fez uma palestra em que abordou o racismo em uma perspectiva histórica, enfatizando que ele é uma construção humana que não pode ser naturalizada. "Hoje nós vivemos ainda esse racismo, agora conhecendo um pouco melhor as suas heranças", declarou.

A professora ressaltou a necessidade de contar a história dos "outros Brasis" que foram construídos pela população negra – como a história do Quilombo dos Palmares. "Passou da hora de contarmos a história do Brasil trazendo as experiências negras e indígenas para a centralidade do debate. É preciso reinterpretar o Brasil", concluiu.

As atividades do simpósio continuam nesta quinta-feira (5), a partir das 9h, com cinco painéis temáticos e a apresentação dos enunciados da 1ª Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial – uma parceria entre o tribunal e o CJF.

Confira a programação completa do I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul.

Veja mais fotos do evento.

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